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Franciscus

  • Foto do escritor: Inês Ataíde Gomes
    Inês Ataíde Gomes
  • 23 de abr.
  • 2 min de leitura


Vinha hoje, o dia a seguir à morte do Papa, a conduzir o meu carro e dei por mim com o sentimento que comungava com os restantes membros da espécie o acesso a um sentir, que sendo subjacente ao humano, fazemos por debelar - uma angústia existencial.

A notícia da morte de Francisco espalhou-se como uma onda de tristeza por todos os países do mundo. Não diria que chegou a todos os recantos, mas tivemos acesso a reações vindas de muitos lugares. Os lugares que mais me interessaram curiosamente não foram os "oficiais". Foram antes as reações dos que me são mais próximos, alguns católicos, mas a maioria ateus ou agnósticos. Multiplicam-se nas redes sociais mensagens de apreço pelo homem, pela sua humildade, coragem e universalidade. 

O que terá representado a morte de Francisco? 

Dizem os doutores da Igreja que não tendo sido revolucionário, pois não entrou em confrontos abertos nem propôs rupturas, iniciou um movimento de abertura de uma instituição que com tradição conservadora resiste à mudança (como qualquer grupo que procura manter um equilíbrio interno). Terá dado visibilidade a uma das ideias fortes do catolicismo, existentes desde sempre - o olhar para os desfavorecidos e marginais - mas que pressupunha, para muitos, um desequilíbrio: o 'poder da Igreja' vs 'o desfavorecido'. Sabendo que a doutrina social da Igreja não é de todo redutora, que na sua base não se define pelo assistencialismo, temos tradicionalmente uma tradução prática de resposta neste desnivelamento. Como se houvesse um "nós" e um "eles".

Francisco trouxe um "nós".

Somos iguais.

Mulheres, homossexuais, divorciados, re-casados, não católicos, seguidores de outros credos.

Mais uma vez reitero. Sei que essa é a mensagem de muitos homens da igreja. Mas nunca antes veio da cúpula como agora.

O que se partiu então com a morte de Francisco, que nos faz comungar (palavra bem católica) de um sentimento indelével com o condutor do carro ao lado que nunca vi nem voltarei a ver?

Teremos perdido uma centelha de esperança?

Num exercício interno, talvez para me libertar da angústia que momentaneamente me invadiu, numa visão apocalíptica de uma humanidade que não se entende, numa intolerância crescente, vendo os grupos (dos mais pequenos, às nações) a funcionarem numa lógica de pressupostos básicos, como nos explica Bion, tentei pensar o que faria Moreno (emprestando-lhe aqui um poder supremo, e naturalmente, pela minha visão pessoal, um olhar psicanalítico). Não precisamos repetir o episódio do trono convidando alguém a ocupá-lo. Isso será feito no próximo conclave, Francisco será substituído, e talvez por alguém que tenha a capacidade de fazer crescer o que por ele foi iniciado.

Pensei, psicodramaticamente, que o necessário é reacender essa centelha da esperança. Que a angústia que se des-cobre em cada um de nós é a do desamparo inicial. E que talvez, este desdobramento de comunicações públicas a propósito da morte de Francisco seja uma teia que tecemos para nos re-descobrirmos próximos dos demais. Somos um grupo em auto-reparação fazendo valer valores, muito mais éticos do que morais, que sustentem um olhar para o futuro.


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