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“Para mim liberdade é…”

Foto do escritor: Alexandre Castro e SilvaAlexandre Castro e Silva

"Para mim liberdade é …”, é a frase de abertura da peça A Colónia, encenada por Marco Martins a partir de uma reportagem de Joana Pereira Bastos e, em palco na Culturgest em Lisboa. A peça leva a palco atores profissionais, jovens em idade escolar, e também os protagonistas reais desta história pela voz destas crianças, hoje adultas e com toda uma vida após o 25 de Abril. Falam por elas, pelos pais, pelos que não puderam falar ou pelos que morreram em silêncio. Nesta colónia estiveram 18 crianças entre os 3 e os 14 anos.

No passado sábado tive a oportunidade de assistir a este excelente trabalho que me pôs em contacto com a realidade dos mais de 30 mil presos políticos e das suas famílias em Portugal durante a ditadura. É revoltante assistir à falta de liberdade destas pessoas e das suas famílias neste período negro da nossa história coletiva, ao impacto avassalador da clandestinidade em que viveram durante grande parte das suas vidas, e no impacto sobre os seus filhos. A peça dramatiza com grande sucesso o sofrimento destas pessoas, o medo de serem apanhadas, a tortura ou a morte a que foram sujeitas na prisão.

A peça decorre num ritmo crescente, envolvendo o público no relato das histórias reais destas pessoas, desde a vida anónima, clandestina numa resistência contra a ditadura, até à prisão, o exílio do país ou a morte. As crianças reunidas na colónia de férias nas Caldas da Rainha entre junho e agosto de 1972, eram filhas dos presos políticos, e tiveram a oportunidade de estar com outras crianças durante cerca de 15 dias. Na clandestinidade não podiam contactar com outras crianças ou mesmo dentro das prisões, na colónia puderam experimentar estar com outras crianças que tiveram uma experiência semelhante à delas. Ali puderam estar em liberdade sem a intromissão do regime, e embora houvesse vigilância da PIDE, puderam ter acesso a outras crianças, adultos e outras formas de pedagogia. Foi particularmente comovente as fogueiras gigantes que faziam à noite na praia para que os pais as vissem na cadeia do Forte de Peniche Um fogo de saudade e dor, de grito mudo, e porventura, uma luz de esperança para os pais.

É fundamental relembrar, manter a memória da nossa história, livres de idealizações ou diabolizações, mas conscientes de que a liberdade não está garantida. Os extremismos são crescentes na Europa e também em Portugal, e sabemos como as ditaduras populistas se alimentam da ignorância, da desinformação e do ataque ao pensamento. Neste sentido, A Colónia para além do seu valor estético como objeto artístico, tem para mim sobretudo uma função social. Para além de nos informar acerca do que estas pessoas viveram, esta peça põe-nos a sentir. No teatro como no psicodrama, o grupo identifica-se com o(s) protagonista(s) emocionalmente, expandindo o caminho do pensamento simbólico.

Esta semana assistimos às revelações dos horrores que se passavam nas prisões do regime sírio e autocrático de Bashar al-Assad, mas há pouco mais de cinquenta anos os horrores passaram-se cá, em Portugal. Em Peniche ou em Caxias, não era lá num país do terceiro mundo como talvez gostemos de pensar. O terceiro mundo éramos nós!

E amanhã?

 

 

 

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