
No dia 26 de Julho de 2024 começaram os XXXIII Jogos Olímpicos da era moderna em Paris, dando início durante 16 dias à maior e mais completa competição desportiva internacional. Os melhores atletas do mundo vão competir em mais de 200 modalidades por uma medalha. Desde criança que adoro ver os jogos, as provas de atletismo, natação, saltos para a água, ginástica artística e tantas outras. Carlos Lopes e Rosa Mota trouxeram-nos as primeiras medalhas de ouro e, para se perceber o quão difícil é ganhar uma medalha de ouro, Portugal só alcançou 5 medalhas até hoje, Fernanda Ribeiro, Nelson Évora e Pedro Pichardo terminam esta lista exclusiva de heróis nacionais. Contudo foi na equitação a primeira medalha de bronze e na vela a primeira medalha de prata ou não fôssemos nós um país de marinheiros. Ao longo dos anos foi igualmente impressionante assistir às vitórias de Michael Phelps, Carl Lewis ou Usain Bolt, Nadia Comaneci ou a atual e fantástica Simone Biles. Seriam incontáveis os atletas e modalidades que ao longo da história nos impressionam pela sua dedicação e esforço de superação para de 4 em 4 anos lutarem por representar o seu país.
As olimpíadas nasceram na Grécia antiga e disputaram-se durante 12 séculos aproximadamente, de 4 em 4 anos, desde 776 D.C. até pelo menos 393 D.C.. Segundo Paul Christesen, professor de história da Grécia antiga nos EUA, estas datas referem-se aos primeiros registos escritos acerca desta competição mas afirma ser difícil saber exatamente quando começaram os jogos. Os primeiros registos colocam a sua origem na cidade de Olímpia, daí o seu nome e integravam um conjunto mais alargado de competições, os Jogos pan-helénicos que se disputavam na Grécia Antiga com periodicidade e localização diferentes.. Nessa época, a Grécia não era um país como hoje o conhecemos mas sim, um conjunto de cidades-estado que se estendia pela atual Grécia, parte de Itália e Ásia menor, de onde os atletas vinham para competir entre si. Para permitir esta reunião e o treino dos atletas as guerras eram suspensas durante os jogos. Atualmente e infelizmente as guerras não são suspensas, mas curiosamente e há pouco tempo foi criada a possibilidade de os atletas refugiados poderem competir, mesmo não podendo residir ou treinar nos seus países de origem devido às guerras que continuam a devastar os seus povos.
Os Jogos Olímpicos da era moderna recomeçaram em 1896 em Atenas e tiveram como principal impulsionador Pierre de Coubertin. Desde então existem Jogos Olímpicos de Verão e de Inverno, e os Jogos Paralímpicos. Os Jogos Olímpicos na sua globalidade, tal como outras grandes competições desportivas internacionais, são na minha opinião um palco onde os povos de diferentes nações, culturas ou religiões se reunem para se defrontarem através do desporto, e relembrarem a importância da competição com valores éticos e culturais que infelizmente é tão fácil ao ser humano negligenciar. Se todas as guerras se pudessem decidir numa pista de atletismo, numa piscina ou num tapete de ginástica talvez houvesse menos dor e barbárie. Freud explicou-nos como a sublimação dos instintos mais primários é uma aquisição da herança cultural do ser humano, e considero o desporto mesmo com todas as suas falhas ou exageros, um dos principais palcos de experiência humana, continente das angústias, expectativas e realizações em que os povos se sentem mais ou menos representados no seu imaginário. Os jogos estão revestidos de muitos símbolos, seja a tocha olímpica, os pódios, as bandeiras ou os hinos nacionais na coroação da vitória. O símbolo liga o indivíduo a um grupo maior do que ele próprio, permite uma representatividade que dá corpo às projeções individuais dos membros de um grupo.
O psicodrama psicanalítico permite a aprendizagem num palco psicoterapêutico através da elaboração dos mecanismos inconscientes presentes nos seus indivíduos em situação de grupo. Os Jogos Olímpicos são um palco potencial de canalização das fantasias inconscientes partilhadas de um grupo, sejam eles os amantes de uma modalidade, os habitantes de uma cidade ou os membros de uma nação. Os grupos agregam e são veículo de transmissão das fantasias inconscientes dos seus membros, daí os vencedores se tornarem símbolos e legítimos representantes do melhor dos seus compatriotas. Não será um exagero afirmar que muitos sentiram o golo vitorioso de Éder e a consequente vitória de Portugal no campeonato da Europa de 2016, o cortar da meta de Carlos Lopes na maratona de Los Angeles em 1984 ou de Rosa Mota na Maratona de Seul 4 anos depois, como a cristalização de momentos únicos que nos agregam e orgulham de pertencer a este cantinho à beira mal plantado. Éder chutou por nós todos, cruzámos aquela meta com Carlos Lopes ou Rosa Mota, pelo menos emocionalmente. Eles sabem e nós também, por isso alcançaram uma imortalidade simbólica, a única capaz de fintar a angústia de morte. As suas vitórias simbolizam a vitória de um grupo sobre as amarguras do dia a dia, um exemplo de persistência e de como a capacidade de luta pode vencer as adversidades e a dor depressiva, faz renascer a esperança e alimenta o sonho. Eu considero que são estas experiências emocionais mais ou menos inconscientes que dão importância aos Jogos Olímpicos para os portugueses e para os outros povos. É verdade que as nações mais poderosas se degladiam por alcançar a vitória, contabilizam medalhas para sublinhar e afirmar a sua hegemonia não só desportiva mas também económica, tecnológica, militar ou social. Curiosamente os atletas da antiguidade competiam completamente nus, hoje os atletas usam o equipamento tecnologicamente mais avançado que as marcas desportivas desenvolvem, mas o equipamento emocional e cultural terá mudado assim tanto? Não sei! Ainda assim, antes este palco para este “psicodrama internacional” do que vermos a Ucrânia, Israel ou Palestina bombardeadas, onde as vitórias e as derrotas são bem mais dolorosas e destrutivas.
Alexandre Castro e Silva
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